domingo, 23 de junho de 2013

Entrou, fechou a porta, apagou a luz. No escuro de sua alma prescrutou aquelas palavras, bebeu seu sangue quente, digeriu seus taninos, e fartou-se de insulto. Noite fria de outono, a serração manchava as janelas e aliviava o calor das injúrias. Sorveu um conhaque, ainda no escuro, recostou-se na poltrona velha e carcomida que jazia no canto da sala, e chorou. O pranto percorria as vias talhadas pelo tempo, pelos excessos, pela natureza. Chorou calmamente, sem soluço, sem rancor, sem paixão. A paz inundando seus pulmões, uma alegria torpe e desatinada, um ardor lascivo em sua consciência silenciosa, chorou impunemente. Os gritos desafinados de sua mente davam agora lugar ao doce e decantado pulsar de uma tranquilidade estranha, morna, aconchegante. 
Sentiu-se lasso. Um torpor insípido tomou-o por inteiro. Deixou-se deslizar pelo tecido grosso e surrado da velha poltrona e entregou-se ao fim das angústias. Inteiramente subjugado por aquele pranto, derramou-se em uma torrente de sentimentos ácidos, ardidos e sufocantes, como a expurgar o mal pela dor, a lágrima fez-se pus, o pranto fez-se cura e dor e sangue e bálsamo. Pela janela o vulto dos faróis apressados, a luz fria e trêmula das esquinas, e ele chorou. Silenciosamente. Invadido, amortecido, deixou-se estar ali. Não adormeceu, contudo. Imerso na escuridão, olhava o escuro a sua volta com volúpia, notava-lhe cada tom com que o pálido lume da janela lhe dotava. Sentia-lhe as formas. Cobria-lhe o manto escuro da noite e a coroa do silêncio inaudito. Como monarca na escuridão, cuidou e reinou naquela paisagem, gole a gole do conhaque quente e confortante, até que os primeiros raios de luz viva o vieram destituir de seu trono. Plebeu insolente, o sol invadiu o aposento real com desdém e sem parcimônia. Enfim rendido ao rebeloso, levantou-se, a ceder-lhe o trono, vestiu-se, apagou a luz, saiu e fechou a porta.  

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