segunda-feira, 2 de julho de 2012

Para uma crítica de "O Castelo", de Franz Kafka


          


     Kafka escreveu uma das obras mais impressionantes que já tive oportunidade de ler. Particularmente eu o considero o expoente do século XX e uma das mentes mais brilhantes de todos os tempos no mundo. Particularidades pessoais de sua biografia talvez contestem minha preferência, mas aceitemos o fato de que é uma dádiva que sua obra tenha chegado até nós contra sua vontade, uma vez que seu último desejo era de que seu melhor amigo, Max Brod, a queimasse. Sorte a nossa...
     Bem, mas falemos de O Castelo: nunca vi, em toda a minha vida, tamanho fôlego narrativo. Os diálogos são truncados, cheios de autorreferências e ainda assim encantadores e magnéticos. Não dá para se perder na leitura porque as falas são muito bem conduzidas, ainda que os interlocutores sejam exagerados e a trama seja um labirinto insondável que leva ao castelo, inalcançável e longínquo. Fato que chama bastante a atenção: os personagens são consistentes, ganham relevo à medida que solicitados no enredo e todos têm importância fundamental em cada ato, e suas falas são monólogos primorosos, cada delas uma gota da grandeza da alma humana, suas angústias, seus anseios, seu valor, seu paradoxos, suas culpas, seus desejos. Enfim, um retrato da "náusea" moderna, no sentido sartriano, e por que não, uma representação do Sísifo moderno, rolando a pedra ladeira acima, em direção ao Castelo inatingível que, fatalmente, os rolará de volta, mostrando a inutilidade de sua busca.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

E o que ela disse...


Nada de erudito e culto, nada de eloquente se disse senão o monumental e dialético silêncio. E nada mais ácido e corrosivo para a alma humana que o vazio sonoro, sobretudo àquelas almas que se entreolhavam como na iminência de um xeque-mate. Seus olhos pardos se consumiam. O que há de mais dialético que os que se sondam sem palavras?
- "O que move o mundo.." - ele tentou, quebrando o silêncio.
- Não estou contrariada, estou confusa e atônita... como queria que eu estivesse!?
      A palavra destitui o amor e tudo mais do que é belo. A palavra é o buraco-negro do belo, e nada sobrevive a sua fúria...por que tinham de recorrer a esse monstro destruidor de atmosferas humanas insondáveis e tórridas? Libertar as bestas de Pandora?
       Seguiu-se semelhante silêncio, quebrado levemente, segundo a segundo, pelas marteladas do relógio de parede, presente de casamento, ou alguma motocicleta na rua. E o que havia de ser dito? Fitavam-se, o que mais podiam querer? Não há nada a dizer quando se sabe culpado e com os olhos reconhece e expressa sua culpa, ou antes dramatiza a culpa que não sente mas deveria sentir ou parecer que sente. Era o que ela procurava em seu olhar, fitando-o de soslaio. Era talvez o que ele dissimulava, também fingindo indiferença. Poderiam ficar por horas nesse jogo de almas dramáticas, até que suas mãos se encontrassem e culpa e simulacro tornassem ternura nos seus olhares cansados do confronto. A rusga daria lugar ao lasso e ao aconchego de braços e pernas, suspiros e cheiros, e a paz dos corpos nus e saciados.